Por Gustavo Torres
Precisaram de cinco anos de trabalho e resgate de antigas canções para que a banda britânica Radiohead lançasse o tão aguardado e misterioso álbum, 'A Moon Shaped Pool' para o mundo.
Depois de histórias particulares de seus integrantes envolvendo o divórcio do líder da banda, Thom Yorke com Rachel Owen após 20 anos de casamento, trilhas sonoras de filmes feitas pelo guitarrista Jonny Greenwood, e trabalhos solos de Phil Selway (baterista) o Radiohead finalmente conseguiu focar suas forças num único objetivo: lançar um álbum superior à qualidade do último, "The King Of Limbs" (2011). Parece que conseguiram. Resgatando canções bastante conhecidas dos fãs devotos da banda, como "True Love Waits" (canção essa que entrou no registro ao vivo 'I Might Be Wrong' de 2001), além de um perfeccionismo impressionante - já habitual da banda - o novo álbum tem ótimos momentos e cotações nas principais revistas especializadas de música, vide Rolling Stone, Spin Magazine, NME dentre outras, além de trazer aos poucos novos caminhos que, como sempre, insistem em trilhar com maestria.
O primeiro single, "Burn The Witch", surgiu ao mundo após mistérios que a banda fez questão de fazer envolvendo envio de cartas com o aviso "BURN THE WITCH" aos fãs em letras garrafais, além de apagar todo o conteúdo nas páginas oficiais da banda nas mais conhecidas redes sociais retornando somente no lançamento desse single.
Com riff poderoso nas cordas em staccato, a canção traz letras de desespero como no refrão:"This is a low flying panic attack/Sing a song on the boxes that goes/Burn The Witch". O aviso toma um sentido quando os animadores e o diretor responsável, Chris Hopewell, afirmam que a história no vídeo é uma clara mensagem sobre o drama dos refugiados da guerra da Síria que buscam por dias melhores em qualquer país da Europa.
Assista "Burn The Witch" e tire suas conclusões:
Depois de uma ótima abertura, o Radiohead parte para a calma e viajante "Daydreaming".
Com um piano hipnótico, Thom Yorke leva o ouvinte à sensação da perda e da procura por algo. Referências ao recente divórcio ficam subliminares na letra melancólica sobre sonhar acordado, mostrando a procura permanente do ser humano à alguma coisa ou a algum lugar onde se encontre a verdadeira paz. A canção tem em seu vídeo a direção do cultuado cineasta Paul Thomas Anderson que dirigiu filmes de muito sucesso como "Magnólia" e "Boogie Nights".Mais uma sincronia perfeita de letra e vídeo mostrando Thom Yorke como o protagonista da história, com o próprio entrando e saindo de diversos locais como um hospital, um estacionamento, uma casa até chegar na exclusão completa (vídeo abaixo).
A orquestração na canção evidencia o domínio do multi-instrumentista da banda, Jonny Greenwood, que além de ser o guitarrista do Radiohead tem vasta experiência em trilhas sonoras do diretor Paul Thomas Anderson em filmes de sucesso como "Sangue Negro", "O Mestre" e "Vício Inerente".
Assista "Daydreaming" (direção de Paul Thomas Anderson)
"Decks Dark" é a terceira faixa do álbum e traz de volta a veia progressiva - art-rock - do Radiohead. Com um baixo poderoso do irmão de Jonny, Colin Greenwood, somado ao piano de Yorke, a guitarra de Ed O'Brien no timing certeiro com a bateria de Phil Selway, a canção mostra as famosas 'camadas de som' que o Radiohead há décadas vem influenciando milhares de bandas mundo afora como se fosse uma espécie de Pink Floyd no mundo contemporâneo. Com mais uma letra densa e direta Thom Yorke joga mais uma vez a paranoia ao ouvinte ligando ela a experiência da perda (mais uma alusão ao divórcio do artista dessa vez mais voltada ao conflito ou a fuga de uma guerra de maneira geral). Trechos como "And in your life, there comes a darkness/ And a spacecraft blocking out the sky" ou "Have you had enough to me/Sweet darling" explicitam as amarras do amor ou do ódio.
Uma canção rica com vários andamentos interessantes do início ao fim, padrão Radiohead.
O riff folk do violão na quarta canção de "A Moon Shaped Pool", "Desert Island Disk", traz o momento mais ensolarado no registro do grupo de Oxford com versos de redenção à paz: "The wind rushing round my open heart/And open ravine/In my spirit white/Totally alive/In my spirit alive". Nesse momento há um divisor de águas no álbum como se a tempestade desse lugar ao tempo bom, um renascimento, deixando as coisas ruins para trás e buscando um lugar seguro para a reflexão.
A acelerada "Full Stop" traz a pegada de um rock new wave como se o grupo misturasse New Order com a esquisitice genial do rock alternativo do Sonic Youth. Poderia estar facilmente no inquietante "In Rainbows" de 2007. Tipo de faixa que prova a versatilidade da banda em mostrar novos caminhos bebendo de fontes antigas que os inspiraram. A letra é claro, traz mais um desabafo de Yorke, o já tradicional inconformismo radioheadiano.
Com um piano melancólico e um violoncelo, "Glass Eyes" traz uma letra que fala de um viajante, imigrante ou até mesmo de uma pessoa que está reconstruindo a vida de alguma forma em algum lugar. Mais uma vez o álbum mergulha na profundidade e na reflexão como se fosse necessário construir, destruir e reconstruir etapas da vida, "Hey, it's me/I just got off the train/A frightening place/ Their faces are concrete grey". Impressiona pela qualidade como Thom Yorke consegue mesclar um drama pessoal com um drama amplo como o de imigrantes saídos de seus países por causa da guerra.
Uma canção muito conhecida dos shows do Radiohead já há alguns anos, "Identikit", traz uma pegada mais pop ao álbum, mas não deixando a qualidade de lado com batidas eletrônicas misturadas ao baixo competente de Colin e a bateria de Selway. Outra faixa que poderia estar facilmente em "In Rainbows" ou até mesmo em "Hail To The Thief", de 2003. Essa vira hit.
"The Numbers" traz uma orquestração impecável e nuances de rock progressivo além de ótimos falsetes de Thom Yorke. Talvez uma das melhores faixas do álbum. Traz uma letra de enfrentamento como nos versos "We call upon the people/ People have this power/The numbers don't decide/Your system is a lie/The river running dry".
"Present Tense" tem um clima bossa nova e praiano pelos dedilhados de violão contínuos fazendo um ótimo contraste com a faixa anterior do álbum. O Radiohead faz de "A Moon..." um verdadeiro passeio nos sentimentos contraditórios do ser humano tanto na sonoridade como nas letras. A canção fala de como fugir na música ou na arte em pleno "presente tenso" que a pessoa ou o mundo estejam atravessando: "This dance it's like a weapon/Of self defence/Against the present/I won't get heavy/Don't get heavy/Keep it light and keep it moving".
A estranheza criativa volta com sintetizadores e um piano soturno em "Tinker Tailor Soldier Sailor Rich Man Poor Man Thief" fazendo a base para mais uma letra sobre fuga de algo que está fora da ordem. Dessa vez mais explicitamente sobre uma fuga de guerra: "All the holes at once are coming alive/Set free/Out of sight and out of mind, lonely/And they pray". Uma espécie de mantra mórbido de quem precisa de um refúgio mas encontra obstáculos no percurso: "The ones that light your fire to keep away/it's crawling out upon, inspecting/And all you have to do is say yeah".
Fechando o álbum , "Love True Waits" emociona mesmo sendo uma música que o Radiohead já toca há mais de uma década em seus shows.
Finalmente incluída em uma versão de estúdio a banda pode com genialidade fechar um álbum conceitual dando sentido ao todo enviando a mensagem de que "o verdadeiro amor pode esperar".
O álbum está disponível para download no site criado pelo Radiohead:
https://amsp-us.wasteheadquarters.com/
ou nos serviços de streaming Tidal,Amazon e Apple Music
O álbum físico tem previsão de lançamento para 17 de junho de 2016
A versão digital do álbum alcançou o topo das paradas britânicas.

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